Aline Online

A casa da minha avó tinha um quintal enorme. Pra falar a verdade, eu não sei se só era enorme na perspectiva de uma criança, e criança de apartamento. Naquela época não era muito lisonjeiro ser chamada de criança de apartamento. Casas predominavam no subúrbio e quintais ainda existiam. O quintal da vó tinha espaço para uma grande horta, uma piscina eternamente em construção, terreiro das galinhas e espaço dos cachorros. Tinha várias árvores frutíferas, entre elas dois pés de jaca, dos quais eu tinha pavor. Podia cair uma jaca na minha cabeça. Ou, muito mais provável, uma lagarta.

Meu contato com as plantas era pequeno: subia nos galhos baixos, comia as frutas, olhava de longe a horta, cheia de folhas, legumes e temperos que eu me recusava a comer.

Muitos anos depois, voltei a morar em uma casa com quintal. É todo coberto com piso. A única árvore está plantada na calçada em frente, mas alguns galhos passam por cima do muro. No chão, vários vasos de plantas. Uma delas, diz a mãe que vive desde a época da vó. E depois de um período muito conturbado eu comecei a me reconstruir por meio das plantas. Não ousava botar a mão nas plantas da mãe, então comecei a cultivar matinhos que catava na rua. A mãe desdenhava do mato, eu ficava magoada porque achava que não era necessário. Depois, ataquei as Marias-sem-vergonha que cresciam no trilho do portão da garagem. Antes eu arrancava e elas brotava de volta. Resolvi puxar e plantar em vasos. As moitas ficaram menores, mas agora eu podia movê-las, colocar em um banquinho, catar mais mudinhas e espalhar pelo quintal. O passo seguinte foi olhar as plantas da mãe e perceber que ela não tinha mais vigor físico para podar, remover folhas mortas, replantar... Tomei coragem e comecei a cuidar das plantas ornamentais, as "plantas de verdade". E elas ficaram bonitas. E vivas.

Ainda não comprei nenhuma planta. Algumas minguaram mas renasceram. Outras se desenvolveram e eu fiz mudinhas e distribuí para as "irmãs" da igreja da mãe. Na árvore da calçada eu peço ao moço pra fazer uma "limpeza" e tenho que explicar que não é para deixar um tronco sem galhos. A árvore está mais saudável. O quintal está cheio de passarinhos, borboletas, abelhas e outros insetos que eu tenho medo mas eles só querem saber de rolar no pólem.

Eu nunca me imaginei metendo a mão na terra, gastando horas cultivando plantinhas e me sentindo em paz. Não achava nem que gostasse nem que fosse capaz. Simplesmente felizmente aconteceu.

28/10/2024