Sessão da tarde em família
Usei um dia do recesso de fim de ano para montar uma lista de filmes para assistir em família. Família: eu, minha mãe e se der, meu marido.
Lembrei daquela história de que "o idoso volta a ser criança". Minha mãe está lúcida e autônoma, mantém o raciocínio, tem falhas de memórias que a princípio não me parecem indício de decínio cognitivo. O cansaço dela é da jornada mesmo. Nos últimos anos meu pai elevou a multi-tela ao máximo grau. Era o dono da tv, celular, notebook e tablet ao mesmo tempo. Ela sempre teve resistência a mexer em eletrônicos e viu a tv deixar de ser um eletrodoméstico simples pra virar mais um eletrônico indecifrável. Durante um período, geralmente na hora da novela, meu pai deixava ela assistir tv. O resultado é que hoje ela mal sabe usar a tv, senta pra ver novela gostando ou não da trama, e está cada vez mais absorvida por vídos curtos do Facebook. Só besteira, receitas, fofocas e dramatizações que me matam de vergonha de tão ruins.
Estabeleci um horário de ver novela junto com ela. Era o meu horário de estudar, escrever, inventar alguma coisa pra fazer, mas achei mais importante dedicar a ela. Até que começaram umas novelas muito ruins que nós duas detestamos e ela se voltou de novo para o celular. Um dia, me viu assistindo a Grande Família no quarto e sentou na beira da cama. Pronto, já tinha um programa pra ver juntas às 20h.
Sábado à tarde ela dorme, às vezes faz alguma coisa na cozinha ou no quintal, liga no futebol, depois atura 15 minutos de Mion e mete a cara no celular. Foi para ocupar esse espaço que montei uma lista de filmes. Eu ia lendo as sinopses e deixando de lado tudo o que ela não gosta. Não pode ter trama muito complicada, muita violência, só pode um pouquinho de intimidade e se for LGBT tem que ser pouquinho mesmo. Tipo na última novela que eu vi em que os caras deram um selinho e a câmera se movimentou pra botar um girassol tapando a cara deles.
Se eu perguntar pra ela o que ela quer ver ela responde:
- Não quero ver nada.
- Não sei.
- O que você quiser.
Alguns filmes me deixaram em dúvida e coloquei na minha lista pessoal pra ver primeiro e depois decidir se vejo com ela. Lembrei que eu fazia isso com os livros da minha filha até os 13 anos. Na dúvida eu lia primeiro.
Não me sinto à vontade fazendo curadoria de conteúdo pra minha mãe, mas é pior deixá-la sem ver nada, ou vendo muito videozinho no celular. E os filmes e séries nos dão um pretexto para conversar um pouco. A gente quase nunca conversa. Qualquer oportunidade vale ouro.